Viagem, viagem. E ficou grande. Leiam se quiserem...
Jornal Cometa, 21 de junho de 2084
Continuamos nossa série de reportagens sobre os tipos humanos do século passado, apresentando a Classe Média, de grande importância na segunda metade do século. Na época, além dos ricos e dos miseráveis, existia uma classe social intermediária, a classe média, com hábitos e concepções de vida bem particulares. Eram pessoas que estavam no meio. Logo, tinham vontade de subir na escala social e medo de cair. Por isso, procuravam estudar, se especializar, trabalhar muito e poupar, procurando sempre dar aos filhos o que não tiveram. Almejavam a riqueza e desprezavam a pobreza e a cultura popular. Se acreditavam cultos, detentores do saber e formadores de opinião.
Eram cheios de contradições. Criticavam os Estados Unidos (na época, a grande potência ocidental e, posteriormente mundial), mas assistiam a seus filmes e seriados, além de colocarem seus filhos em cursos de inglês (língua falada no citado país). Tinham um certo sentimento de classe, se uniam para defender seus interesses, mas se um indivíduo tivesse chance de alcançar a riqueza sozinho, o faria sem problemas. Uma grande demonstração de seu individualismo está na forma mais desejada de conseguir um emprego: através de concursos públicos com muitos candidatos e pouquíssimas vagas.
Na década de 90 do século passado, a classe média foi começando a perder importância, com as privatizações de empresas públicas e a redução da inflação. A privatização implicou em perda de emprego para muitos membros da classe. Quanto à queda da inflação, esta merece uma explicação mais detalhada. Enquanto a inflação era alta (chegou a 50% por mês, acreditem se quiserem), os salários eram corrigidos de acordo com esse índice. Com sua queda (para aproximadamente 10 a 15% ao ano), muitos salários passaram a não ser reajustados, perdendo pouco a pouco seu valor.
O golpe final consistiu na privatização, já no presente século, da universidade pública, onde os filhos da classe média estudavam buscando aumentar (ou apenas manter) seu padrão de vida. Tal privatização começou aos poucos, com o governo reduzindo cada vez mais as verbas para sua manutenção. Sentindo o problema, os alunos passaram a recolher pequenas taxas para melhorar as condições de sua universidade. O governo, percebendo a mobilização dos estudantes, viu que poderia reduzir mais ainda sua contribuição. Em conseqüência, as taxas aumentaram. Empresas privadas foram contratadas para administrar essas taxas. Criou-se um ciclo vicioso e, em pouco tempo, a universidade foi tomada por essas empresas.
Muitos estudantes, por falta de condições financeiras, abandonaram a universidade. Sem diploma, não conseguiam bons empregos. Tornaram-se, assim, pobres. Aqueles que se mantiveram não sofreriam mais a concorrência dos outros no mercado de trabalho. Tudo seria mais fácil. Tornaram-se, assim, quase-ricos. E esse foi o fim da classe média, classe tão peculiar e cujo estudo mais completo não caberia nessas poucas linhas.