Ela vivia em um mundo cor de rosa. Cercada de luxo e proteção. Pessoas ao redor o tempo todo, querendo saber se ela estava bem. Mas ela estava sempre bem. Sorriso no rosto, sem maiores preocupações. Nada faltava. Tudo à mão, sem esforço, sem dor. O que é dor? Não conhecia. E ficava em seu quarto ouvindo musiquinhas alegres e pensando.
Mas ninguém ao redor sabia o que ela pensava. Ninguém sabia porque ela demorava tanto no banho ou debruçada sobre livros. É uma menina boa, limpinha, estudiosa! Ninguém esperava aquela grade desparafusada, aquele bilhetinho sobre a cama, as roupas de luxo ainda no guarda roupa... Tinha levado só as mais simples em sua viagem sem rumo. Em busca do mundo, do medo, da dor. E da real felicidade que só conhece quem conhece a dor.
A mãe chorava desesperada. E a filha, já distante, chorava também. Derramava sua primeira lágrima em anos... Anos de falsidade. Sentia-se vazia, minúscula, infantil. Não foi preparada para a liberdade. Não sabia pegar um ônibus. Não sabia onde estava, como chegar a uma lanchonete ou voltar pra casa. Inútil. Inútil! Inútil!!! Desesperada!!! Agora as lágrimas se juntavam aos pingos de chuva, que caíam cada vez com mais freqüência, cada vez maiores e mais gelados.
De repente, ela escuta uma musiquinha. Reconhece. Vem da sua bolsa. Abre. Atende.
- Alô, mãe!!! Vem me pegar!!!
- Onde você está, minha filhinha querida?
- Não sei! Em uma rua fria e escura!
- Qual o nome da rua?
- Não sei, mãe, vem logo!!!
E o mundo cor de rosa fazia cada vez mais falta. Era tão mais fácil pedir pra pegar no colégio, ou no shopping... Bastava pedir. Agora, como a mãe ensinou, ela teria que ir até a esquina e olhar as placas com nomes de rua pregadas nos muros. Se era assim a realidade, preferia seu mundinho falso. Sua falsa alegria. Sem esforço, sem dor. Sem prazer também, mas querer prazer é pedir demais.
Ao chegar em casa, seu pai a esperava. E ela levou a primeira palmada da vida...